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18 maio 2014

O Mostrengo


Deu um mostrengo na aldeia
Oh, meu Deus, vá se benzer
Deus meu, era todo "oreia"
E não tinha olho pra ver

Tinha oito ouvidos em linha
Que iam da testa inté o bucho
As mãos eram de galinha
O nariz grande em repuxo

Era bem redonda a boca
Quadrados eram os pés
Cabeça feito "biloca"
Num chapeuzinho resvés

De todo modo mui feio
Que não tem Jesus parelha
Era de dar no receio
Como a rudeza de velha

Mas deu-se o caso porém
Rosinha se enamorar
Filha do Major Belém
Que prometeu o matar

"Minha filha ensandeceu
Ah, gosta é coisa nenhuma!
Bicho feio que nem breu
Que não tem beleza alguma

A deserdo se insistir
Coisa assim eu não permito
De mim ninguém há de rir
Esse enredo não está escrito"

Chegou a conversa no mostrengo
Que de orelha era bem rico
Achou bom salvar o "quengo"
Disse: fujo, aqui não fico!

Aprontou as sacolas todas
Correu lesto para o mato
Esqueceu o sonho de bodas
Fugiu sem mais aparato

Logo correu a notícia
"O das orelhas marchou"
Preciso foi um só polícia
Do major se amedrontou

Mostrengo fajuto esse
Que vira a cara pra luta
Ah, eu antes, meu Deus, morresse
Que me dar a tal conduta

A moça, pobre coitada,
Quando o soube desmaiou
Ficou um dia desacordada
Todo mundo se assustou

Veio médico, pai de santo,
Padre, pastor, um xamã
Se abriam bocas de espanto
"Com essa moça que é que há?"

"Ai, meu mostrengo adorado!
Você não pode deixar-me
Ai, mostrengo bem amado!
Teu desamor é meu alarme

Meu pai é de muita fala
Mas de ação muito escusado
Calá-lo, ninguém o cala
Mas faz promessa fiado

Ai, mostrengo bem amado!
Volta breve, me sossega
É meu peito angustiado
A maior tristeza o pega"

E na floresta entretanto
O mostrengo trabalhava
Lavado também em pranto
Casa na árvore acabava

Daí por nada veio um cuco
E com ele puxou assunto
"Sou filho do velho Truco
Bisneto de Seu Presunto

Tem aqui perto uma gruta
Onde há noite se põe a lua
Recompensa quem a escuta
Disse: a moça será sua

Oh, tu mais nada não fazes
Bota só nela os ouvidos
Desejos não serão quases
Serão todos bem cumpridos

Eu venho de dez pras onze
Lá te levo como amigo
E trago um guizo de bronze
Que deves levar contigo"

Dito isto se despediu
Voou contra o sol da tarde
Tão alto, não mais o viu
Já o coração é todo alarde

Oh, horas demais custosas
Grande demais era o dia
O espinho vem com as rosas
Dos amores a agonia

E era essa agonia tanta
Que não pôde nem comer
Tinha um nó na garganta
Não dava pra desfazer

Em vão falou Dona Zinha
"Precisa de vitamina
Coma dessa sopa minha
Logo, logo você afina

É de carne de cavalo
Deixará você bem forte
Resistente a todo abalo
Com a coragem de sorte"

Foi a noite escurecendo
Bem tinhosa em seu vagar
Jurou quase estava vendo
Mais até do que escutar

Saiba, meu caro leitor
Fique bem compreendido
É bem próprio do amor
A confusão do sentido

O amor é meio inverso
Do aparente e normal
O amor é controverso
Coisa do bem e do mal

(continua)


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